19.4.14

Red Dawn - Capítulo 9

A FUGA

Então, o rosto manchado de lágrimas da menina apareceu, olhando para nós enquanto rearrumávamos as toalhas, da melhor maneira que conseguíamos. Ela estava totalmente apavorada e calculava o tamanho da queda com olhos aguados e desesperados. Parecia estar freneticamente pensando em outra saída, pois olhava para o interior da sala o tempo todo.


Finalmente, ela subiu no parapeito e se jogou de uma vez. Foi tão rápido que o gordinho não tinha saído a tempo do monte de toalhas e ela caiu sobre ele, felizmente com o braço bom, pois eu tenho certeza que ela teria gritado a plenos pulmões se tivesse caído por cima do braço quebrado. Os dois rolaram até onde eu estava e eu a amparei, mas ela estava inconsciente. Não sei se de dor ou da descarga de adrenalina. Só sei que eu fiquei extremamente feliz de ter sido uma queda quase isenta de som. Só faltava o maldito do garoto mais velho. Ele nos olhou e fechou a cara. Já dava pra ter visto que ele ia se machucar, sim, mas pelo menos não corria o risco de morrer sufocado ou encurralado. Não era uma escolha tão difícil, mas mesmo assim ele relutava. Eu já estava no limite da dor e da paciência e me arrumei para verificar se podíamos ir, em segurança, até o bosque. Não estava mais prestando atenção nele e em mais ninguém, minha concentração estava toda aplicada na elaboração de uma rota. Infelizmente, dos arbustos onde estávamos ate o limite do espesso bosque só havia um descampado. Facilmente um bando de adolescentes alquebrados seria notado. Naquele momento, eu estava no limite do desespero e olhei uma ultima vez para meus companheiros de sobrevivência. Eles estavam me encarando, contendo gemidos de dor, esperando meu próximo movimento, esperando pra me seguir. Não consegui conter as lagrimas que desciam cada vez mais e os soluços que apertavam minha garganta. Era estranho estar ali, sem notar aqueles segundos que nos colocavam juntos numa empreitada que custaria nossas vidas. Meu primeiro pensamento foi verificar se alguma patrulha estaria em direção aos fundos do prédio. Beirando a parede de pedra dura e áspera, eu me esgueirei até a lateral, quase entrando parede adentro. Havia, sim, alguns soldados de arma na mão, mas estavam empilhando corpos, muitos carbonizados. Nenhum deles parecia estar muito alerta para alguma movimentação. E só naquele momento parei pra reparar que os prédios exalavam fumaça e um silêncio mortal. Não havia mais gritaria, nem correria, nem barulho de coisas se quebrando e, principalmente, não havia mais barulho de tiros. Sem duvida, eles achavam que todos no colégio estavam mortos e estavam reunindo suas obras na frente dos prédios. Eles estavam longe o suficiente para que eu não reconhecesse nenhum dos rostos que não foram destruídos pelo fogo, mas também não longe o suficiente para que não me vissem. Abafei um grito ao ver o descaso e o desprezo que empregaram ao tratar dos cadáveres, possivelmente algum conhecido meu. Tentei não imaginar como ficaram meus amigos e protegidos, tentei não imaginar o corpo inerte dos pequenos, que talvez tenham morrido sem nem saber o que estava acontecendo, sem ter uma chance. Pensar nessas coisas era demais para mim, e eu precisava de calma e manter a mente focada em salvar a mim e a meus companheiros na luta pela vida. Respirei fundo, e senti a brisa fresca aliviar as queimaduras e ferimentos. O vento soprava mais forte a cada rajada, e eu olhei na direção do bosque, que era minha saída. Uma tempestade se aproximava rápido, o céu estava escurecendo em questão de minutos e as nuvens gordas e negras se movimentavam na direção do colégio com uma rapidez voraz. Um trovão foi ouvido. Ótimo. Uma tempestade abafaria nossos barulhos e manteria os soldados ocupados. Não pude refrear um sorriso aliviado, muito embora eu estivesse longe de estar segura, nem eu nem ninguém que estivesse me seguindo. Mas o cheirinho da chuva me trazia um bom pressentimento, uma sensação boa que aliviava. E eu não quis contrariar esse pressentimento, apesar da realidade do momento o contradizer. Voltei para os outros e perguntei, sussurrando: -Alguém está com algum ferimento que impeça de correr? A menina do braço quebrado torceu a cara numa careta de choro, indicando que ela não tinha a menor intenção de fazer aquele esforço depois de sofrer uma queda daquelas. Bom, na verdade, nenhum dos rostos pareceu muito contente com a ideia de ter que colocar suas vidas numa corrida. -Há soldados na frente do prédio, mas eles não estão mais fazendo patrulhas, eu acho. Estão contando os... Parei abruptamente. Os olhos de todos ficaram cheios de lágrimas e o menino gordinho chorou silenciosamente. Todos os amigos deles estavam mortos, assim como os meus, quem sabe ate parentes... Naquele instante, um trovão mais forte ecoou, um vento cortante soprou vindo das árvores e a chuva caiu. Do mesmo modo que as grossas e geladas gotas aliviavam minhas queimaduras, faziam os outros machucados arderem. Porém, a chuva parecia estar fazendo muito bem aos outros; a menina do braço quebrado e a pequenininha fecharam os olhos, absorvendo a chuva que caía sobre elas. Os meninos simplesmente deixaram que ela os lavasse, limpasse e purificasse. Mas eu precisava ficar alerta. Deixei que eles aproveitassem o momento de relaxamento e voltei a me esgueirar para a lateral do edifício. Não havia nenhum soldado a vista e eu senti um frio na espinha. Os corpos estavam abandonados na chuva, mas não havia ninguém vigiando, não havia ninguém. Onde eles estariam? Dentro do prédio para fugir da chuva, talvez? Se sim, então nossa fuga seria fácil. Voltei para os meninos, para dizer que aquela era a hora. Mas quando me aproximei deles e estava prestes a dizer para correrem, ouvi um tropel de passos marchando na lateral oposta à que eu viera. Meu sangue congelou, eles estavam indo ao nosso encontro. Por um segundo eu vacilei. Desabei no chão, esperando a morte. Mas olhei nos olhos azuis da pequenininha, que não chorava mais. Ela olhava para o bosque, obstinada, se preparando para correr. Mas quando ela o fizesse, seria vista e alvejada e eu não poderia permitir. Então levantei e fiz o que um ímpeto de loucura mandou fazer. Eu corri para o lado onde eles sairiam. Corri, corri e corri, sempre em frente. Não olhei para o lado quando a parede do prédio acabou e eu saí em campo aberto, onde eu poderia ser plenamente vista e quando viraria alvo. Não vi quantos soldados havia, não vi a reação deles, só corri e virei em direção ao bosque, esperando que uma árvore me desse alguma proteção. Esperei que o meu corpo oferecesse uma chance e esperei que alguém entendesse que a minha loucura era uma distração. No momento em que eu consegui me enfiar no meio da vegetação fechada do bosque, um grito de alerta e uma revoada de tiros ecoou. Eu continuei correndo, me embrenhando na mata. Eu só via o que estava a um palmo de distância, o tempo todo esperando que uma bala me acertasse e acabasse com tudo. Eu já não sentia nenhuma dor, nenhum incômodo. Só sentia que precisava me mover para frente e sem parar. Os tiros foram se distanciando, se distanciando, até que eu não mais os ouvia, se é que continuaram. Eu conseguira.


Sobre a Autora

Clarissa Ferreira, carioca, escritora de fanfictions e de outras histórias oriundas de sonhos legais. Gosta de Tolkien e histórias medievais, wiccaniana. Seus ídolos advindos da literatura são Morgana (com quem se identifica por suas mil faces), Éowyn (por sua independência) e a xará Clarissa (por sua inocência e curiosidade). Autores preferidos: Tolkien, Marion Zimmer Bradley, John Boyne e Érico Verissimo. Louca pelo universo da Terra Média e pelas maluquices de Jack Sparrow, escreveu fanfictions nunca terminadas sobre os dois mundos totalmente diferentes e assim desenvolveu paixão por elfos e piratas ''encharcados de rum''. Comedora de churraixco e bixcoito, viciada em chocolate e chiclete.

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